sábado, 9 de maio de 2020

- Alguém vivendo a vida minha vida

Existem questões que a gente não ilumina, porque não queremos ter clareza sobre elas. Elas doem e a gente sabe, mesmo sem nunca enfrentar.
Daí entramos na nossa zona de conforto, fingindo não ver, fugindo de nós mesmos. 
E onde isso nos leva? Acredito que lugar nenhum, e não vejo sentido em viver cada dia, aceitando ser a mesma pessoa de sempre. Meu objetivo aqui é o contrário, quero evoluir como pessoa, e isso inevitavelmente me fará trazer à luz minhas questões que demonstram o quão pequena eu sou, questões essas que fazem eu me sentir como a criança que chorava sentada à porta, trancada sozinha em casa, que eu lembro ter sido um dia.

Esse ato pode causar uma desestabilização na autoestima, mas do que adianta ter uma autoestima equilibrada em falsos pilares? É mexer no que temos de mais íntimo, onde não deixamos ninguém entrar, e cá estou, trazendo isso de dentro, para público, não só à luz dos meus pensamentos.


Há tempos eu acompanho uma menina, e toda vez que vejo uma atualização sobre a vida dela, me sobe uma raiva...
Já senti muito esse sentimento ao longo da vida, e nunca o confrontei.

Diversas vezes eu me sentia mal pela falta de privilégios que tive. Em comparação ao meu círculo de amigos, tive uma infância bem pobre. Isso fez com que eu não conseguisse enxergar meus privilégios por muito tempo. Hoje sei disso, e estou sempre me questionando, tentando enxergar meus privilégios, mesmo quando não são tão claros.
Já não tenho mais a vida humilde que eu tinha.
Não posso mais justificar minha raiva, ao ver o que a tal menina faz com a própria vida. Demorei pra aceitar, mas resolvi confrontar essa questão, há tanto sufocada por mim.

Então eu trouxe.

E percebi que me irrito, não por ela tentar e conseguir fazer coisas que eu sonho, não é ela o problema, nunca foi.
O problema é a minha incapacidade de dar o passo, de ter a coragem.
Eu poderia fazer o que quisesse, se seria bom ou não, só a tentativa poderia dizer. Mas eu permaneço aqui, com um monte de achismos, com raiva, com inveja. Por mais que me doa, é isso, inveja, não da vida, mas da coragem, do desprendimento de julgamentos.

Não serei injusta comigo, sei que muito do que me impede remete à depressão que não me larga, por mais que eu melhore. Consigo viver minha vida desde que eu não me veja vivendo ela, quando eu me vejo, eu odeio. 
Mas tanta gente me ama e me acha legal, o que tem de errado então?

Sigo aqui com a sensação de que estão vivendo a minha vida, sem me dar conta de que essa vida não é minha. Afinal, apenas o que estou vivendo é meu, somente isso.
Deveria então, olhar para toda maravilhosa vivência que eu tive até aqui, com um pouco mais de admiração? 
Deveria eu, parar de olhar as redes sociais e olhar pra esse blog, ou para as longas conversas com meus amigos? 
Devo olhar para a mulher que me tornei, enxergando não só os privilégios, mas também as conquistas, que só eu conheço a dimensão?
Sei a resposta dessas perguntas, mas não sei se é o suficiente para sair do buraco.

No fim acho que existem muitas questões entrelaçadas, como "a felicidade só é real quando compartilhada" e a minha claramente não é, "a grama do vizinho é sempre mais verde", e a dificuldade de amar a minha imagem. Coisas que demandarão muita reflexão, a fim de tentar resolver.

E essa vida, felizmente, só eu posso viver.